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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Erotismo Queirosiano:

Erotismo Queirosiano: a construção
ideológica e simbólica no discurso não-ficcional


Ana Luísa Vilela
Universidade de Évora (Portugal)

1. Da vasta publicação não-ficcional de Eça de Queirós pode emergir, dialogando com a obra romanesca, a construção simbólica de um imaginário erótico. Essa construção é veiculada pela abordagem de uma série temática, de motivação fortemente afectiva, que pode constituir um conglomerado de motivos e uma enunciação de princípios valorativos que terão um elevado poder estruturante, tanto na ficção como no discurso não-ficcional.

Constituíram o material de análise os textos deliberadamente não ficcionais publicados na Imprensa, como as crónicas jornalísticas ou os prefácios, ou os textos não publicados pelo autor, como as cartas, recolhidas e publicadas sem a sua presença. Se a motivação jornalística é real em grande parte dos textos, o certo é que, na sua ampla diversidade, todos os textos analisados possuem uma mesma e singular condição de enunciação: a do lugar de mediação e interferência entre as instâncias disjuntas do homem e do autor, do escritor e do leitor. O registo não-ficcional queirosiano traduz, pois, nos seus diferentes modos, o fluente devir de uma subjectividade enunciativa, profunda e ostensivamente comprometida.

Assim, a fixação e encadeamento de uma simbólica do eros nestes textos, que actualizam as transformações figurativas e retóricas da subjectividade, poderá mostrá-los, igualmente, como uma reorganização sintagmática de estados de alma - a tradução movente da competência passional de um sujeito enunciador.

Também por isso, a análise destes textos integra uma geral indagação do processo queirosiano de enunciar o desejo.

2. Deste vasto conjunto textual, destacam-se, desde a década de 67, pela sua recorrência e global coerência, dois conjuntos temáticos cuja unicidade simbólica tentarei elucidar: a representação da figura feminina, caracterizada por uma saturação mítica e por uma central dissociação; e a representação da decadência, caracterizada pela perda de um sentido original, pela perturbação de uma ordem e pela aniquilação do vigor consciente. Ambos os conjuntos mantêm cingidas relações entre si e com a crítica literária e social; a desordem feminina e a decadência são as figuras em que, de forma sistemática, se encarna o investimento dos valores, quer estéticos, quer ideológicos.

A quase totalidade da produção não-ficcional de Eça de Queirós, no início da sua actividade literária, materializou-se na sua colaboração n’ O Distrito de Évora, jornal de que foi, entre Janeiro e Agosto de 1867, director e principal redactor. Da variada temática desta sua extensa colaboração avulta, e talvez predomine, o discurso do moralismo social, em que é insistente a referência reprobatória à prostituição e à obscenidade.

Integram a preocupação morigeradora três outros veios temáticos: a representação sarcástica das mulheres, a crítica à decadência literária e a rejeição da "vida moderna". De facto, este último constitui o tema englobante e como que explicativo, contextual. Assim, prevalece desde logo uma aguda consciência da decadência que caracteriza o tempo presente. A leitura de Cheiros de Paris, de Louis Veuillot (simultânea aliás à de Taine e à de Victor Hugo) é talvez o ponto de partida factual para a sistemática representação da actualidade cultural como uma época crepuscular e degenerescente.

Já presentes nesta época, a artificialidade da cultura urbana e o seu afastamento em relação à Natureza consubstanciam, neste momento, uma fusão curiosa de reflexões e leituras: o romantismo de Heine e Hugo, o áspero e apocalíptico catolicismo de Veuillot, o sentimento de indigenato e a aguda observação de Taine em Voyage en Italie. Será particularmente marcante a imagem de Paris, tipificação da vertiginosa e decadente cidade-civilização, à qual se opõe a doce, indolente e voluptuosa vida meridional. Assim, a representação de Lisboa recupera traços da vã agitação do Paris de Veuillot e traços da preguiça da Nápoles de Taine.

A crítica literária constitui outro domínio íntima e explicitamente associado ao moralismo social. Um mesmo quadro da decadência, de que a literatura é um dos mais efectivos sintomas, integra tanto a banal e amaneirada literatura romântica (CDE I:237) como a literatura "exclusivamente retórica" de Mallarmé, de Baudelaire, Leconte de l’Isle, Catulle Mendès.

O sexo mercantil, a emancipação feminina, a desagregação dos valores matrimoniais ("amor livre"), o rebuscamento formal e a consagração literária da paixão ilícita constituem pois, desde 1867, motivos da representação da decadência, integrando uma série simbólica caracterizada pela inversão e artificialidade: isto é, pela perda. Inquieto e ressentido, o discurso da perda processa duas noções básicas: a noção de que o curso da História está inflectido por uma falsificação, uma perversão irremediável; e a noção da aproximação assimptótica de uma catástrofe - que está sempre iminente, mas nunca mais chega: "Hoje em quase toda a Europa se dá o mesmo: na véspera de grandes factos sociais, de terríveis transformações, por toda a parte, na França, na Espanha, na Inglaterra, em Portugal, a literatura decai." (sublinhados meus)

Enquanto a desejada catástrofe não chega - e Eça encenou, por várias maneiras, a sua chegada - a representação do presente enquanto véspera da catástrofe caracteriza-se pelas figuras da estagnação e do torpor que, sempre de uma forma ou de outra associado à languidez e à lascívia, atravessando como um leit-motiv toda a ficção queirosiana, está no Distrito de Évora já plenamente configurada.

A reflexão sobre esse vazio interior abre de resto caminho à representação deliciada da influência do clima meridional - a qual, muito provavelmente, terá encontrado uma impressiva sugestão em Taine e nas suas descrições da indolência sensual dos lazzaroni napolitanos.

Finalmente, a representação queirosiana do erotismo integra ainda, neste período, associados a esta componente lírica e intimamente aliados a uma latente misoginia, dois outros campos de imagens: a representação idealizada da mulher e a apologia do amor natural. A sobrecarga simbólica da figura feminina acentua-se com a introdução, nos textos deste período, da fantasia erótica, inspirada quer pela mitologia germânica quer pela etnografia do Sul. Todo um sincretismo de figuras encantatórias e clandestinas incorpora subitamente a evocação saudosa de uma noite alentejana de S. João. São seres luminosos e etéreos, de beijos vampíricos, provocam encantamentos, delícias e mortes.

Fulcro da tematização de um universo decadente, o erotismo - de cuja essencial desordem são sinais a prostituição, os audaciosos costumes femininos, a literatura da paixão, a ociosidade, a voluptuosidade aérea e luminosa - invoca insidiosamente a catástrofe. Uma catástrofe perversamente desejada como um beijo mortífero.

Entre a abjecção da obscenidade e a sedução da fantasia, estrutura-se afinal, nestes textos do primeiro Eça, um discurso ideológico-erótico cujas raízes, profundamente afectivas, denunciam uma ambiguidade essencial: a ambiguidade constitutiva da figura feminina. A mulher queirosiana de 1867 é um ser irresistível e repulsivo: absolutamente romântico. O incessante processo que Eça lhe moverá será a resposta a uma intuição básica - a de que o desejo fluidifica e desvanece as fronteiras entre a realidade e a fantasia.

3. Os folhetins d’ As Farpas (1871-72), que Eça depois reuniu em Uma Campanha Alegre, fornecem uma explícita síntese daquilo que podemos considerar a fase seguinte da ideologia erótica queirosiana, precisando e aprofundando noções que já vinham de 1867, e sobretudo reformulando-as no interior do paradigma que constituiu sempre para Eça a referência axial mais segura - a moral proudhoniana.

As características fundamentais do "erotismo positivista " queirosiano - o discurso que, repitamo-lo, articulou a sua reflexão de forma mais estruturada e mais consistentemente formulada em termos ideológicos - cifram-se no desenvolvimento de duas noções nucleares que já conhecemos: a misoginia ambivalente e a angústia da decadência - que terão encontrado em Proudhon um eco tranquilizante, uma caução filosófica e um discurso organizado e convincente.

Por um lado, os temas eróticos continuam a inscrever-se na ampla figuração decadente, servidos por um discurso que genericamente designámos por discurso da perda. Este discurso, agora, adquire uma espécie de consciência crítica e articula-se em ideologia: trata-se de responder à angústia pela indagação racional das causas objectivas da decadência - e, quanto possível, de lhes apontar soluções. Por outro lado, consideremos que uma das pretensões do Naturalismo é a de "libertar" o homem da mulher e do sentimento amoroso. O próprio eros positivista se enraíza assim na noção da perda. A supressão da dimensão transcendente da figura feminina, a tradução da paixão pela fisiologia e a redução do eros ao instinto, acompanham a recusa da poética romântica e definem a mulher pela sua exclusiva materialidade - equivalendo à sua proscrição.

No discurso assumidamente pedagógico d’ As Farpas, esta tendência manifesta-se pela abordagem de quatro temas correlativos: a educação feminina, o problema do adultério, a concupiscência do discurso eclesiástico, a influência nefasta do sentimentalismo romântico.

A languidez, a moleza, a preguiça, a debilidade, a fraqueza, a fadiga, são traços da imagem da menina lisboeta. Esta é a imagem dissolvente da feminilidade invertebrada, oposta precisamente às estruturas típicas do imaginário da virilidade - vigor, dureza, verticalidade, racionalidade, soberania. Uma virilidade física, justamente, com os seus traços solares de pureza e energia, é o que caracteriza a figura contrastiva da distante jovem anglo-saxónica:"Veja-se o andar de uma inglesa, elástico, firme, direito, sério: sente-se ali a saúde, a decisão, a coragem, a personalidade bem afirmada." (UCA: 328)

Este regime figurativo dominado pela antítese, pela exclusão e pela disjunção - consignada no aforismo de Proudhon sobre a mulher: "courtisane ou ménagère" - constitui o núcleo duro da imaginação erótica queirosiana. De facto, assentando este regime discriminativo numa perfeita sistematização simbólica, em que os planos físico e moral se correspondem, resulta clara a construção de uma tendência racionalizante e positiva, de reforço e apologia da identidade viril - uma tendência que unirá Eça a, por exemplo, Ramalho Ortigão.

A essencial perversidade do eros, intuída muito cedo por Eça, tem agora uma explicação positivista - a idealização do mal e da infracção pela criminosa poesia romântica.

A devoção religiosa, cuja iniquidade na formação feminina foi já denunciada, e que convoca, aliás, aspectos semelhantes aos do erotismo - emotividade, imaginação, irracionalidade e ociosidade - é também visada n’ As Farpas através, por exemplo, da caricatura do "sermão obsceno" e pela intuição da recíproca contaminação entre o erotismo e o misticismo.

A questão do casamento, associada à do adultério, surge logicamente num quadro de preocupações morais dominado pela questão feminina - e tão insolúvel, parece, como esta. Numa Farpa datada de Outubro de 1872, Eça dedica muitas páginas à análise minuciosa do traição conjugal - a que " apenas a revolução, pela ciência de Proudhon, começa a dar uma solução racional e positiva". De qualquer forma, a disponibilidade das mulheres para o amor - disponibilidade orgânica e cultural - constitui o principal factor do adultério. A aprendizagem exclusiva da sedução, aliada à inacção física e à desocupação intelectual, desenvolve, nestas Circes quietas e perigosamente imaginativas, as pérfidas artes de adormecer e seduzir. E se, de facto, é na moral convencional um chique ter tido amantes casadas, e o sedutor se torna mais sedutor pela sua auréola perfumada, o autor apressa-se a declarar que, em Portugal - "Satanás anda longe". Ou seja: a virilidade não tem, para sossego dos maridos, representantes condignos em Portugal.

A visão genérica de uma cultura dominada pelo omnipresente erotimo feminino será justamente a súmula temática do opúsculo de Proudhon, publicado em 1875, La Pornocratie ou Les Femmes dans les Temps Modernes. A aliança da misoginia à reflexão política e social, no intuito justiceiro de farpear a tolice - com o seu "Proudhon mal lido debaixo do braço" - antecipa-se nestas Farpas de Eça. A sua exuberância e simetria simbólica, o reportório figurativo que mobiliza, revelarão o prodigioso efeito seminal da leitura do filósofo, e constituirão uma chave interpretativa que a leitura da ficção de Eça de Queirós não pode dispensar.

No entanto, duas questões ficaram por responder: - pela ciência de Proudhon, qual é a solução "racional e positiva" para o adultério? E, se o adultério acontecer e for descoberto pelo marido, como pode este reagir-lhe? A resposta à primeira pergunta é simples: "Colocar a mulher nas ocupações da família, eis o que achamos de mais genérico para evitar a dissolução do casamento" (UCA:401) A actividade, mesmo lúdica, deserotiza a mulher, é um antídoto da idealização:"Toda a mulher que se não cansa, idealiza." (UCA: 397)

Em todo o caso, ao desprevenido marido, resta a reacção mais conforme ao seu temperamento: "Todos estes infelizes se desesperaram; mas - com a lógica do seu carácter - o bárbaro generoso mata, o civilizado infame faz assinar a letra." (UCA: 392). Apraz-nos observar, nas várias representações de maridos enganados de Eça, a hegemonia absoluta de "civilizados infames". Em suma: no adultério em Portugal, à inferioridade do sedutor e à debilidade da seduzida, corresponde a frouxidão do ofendido.

4. Pelo menos durante os quinze anos seguintes às Farpas, praticamente todo o discurso não-ficcional de Eça reitera, especifica e dilata as teses de 1871, e as subsequentes aplicações nos dois romances que entretanto publica: O Crime do Padre Amaro (1875 e 1880) e O Primo Bazílio (1878). Da mesma forma, falando sobre o seu próprio casamento, em 1885, Eça não resiste a normalizá-lo ideologicamente, colocando-o sob o signo anti-romanesco do amor-amizade.

A partir de 1872, o discurso crítico firma-se na opção ideológico-estética do Realismo-Positivismo, estabelecendo-o como um discurso da verdade - iluminador, justiceiro e redentor. Trata-se agora de entranhadamente investir o discurso literário de um mandato cívico: o de coadjuvar a Revolução - tudo revelar, para tudo mudar. E este tudo insidiosamente se especializa na verdade do sexo, uma verdade que o idealismo mascarou de sublimidade. Por outro lado, sendo o novo movimento progressivamente revestido dos valores fulgurantes da virilidade vigorosa, é, assim, perfeita a simetria com a feminizante e corruptora decadência literária, cuja temática amorosa, num curioso processo de denegação, exaspera sempre Eça de Queirós.

Um tema tipicamente naturalista, a dominação do padre na família pela sua influência na mulher, surge nas suas crónicas de Londres, em Julho de 1877. Suscitado igualmente pela recensão literária, é particularmente revelador o juízo de Eça de Queirós sobre uma obra de divulgação de métodos anti-concepcionais:" um manual cómodo e à mão de desmoralização e de deboche." (4 de Julho de 1877, CICL: 234)

A persistente tendência misógina; esta terminante condenação do amor não procriativo; as referências algo galhofeiras às criadas chantagistas londrinas e ao escândalo da prostituição; duas alusões jocosas (uma das quais bastante desenvolvida) ao lesbianismo - compõem, nestes textos jornalísticos, uma atitude de distância simultaneamente folgazã e moralista em relação ao prazer e à irregularidade erótica, inconsequentes mas sintomáticas anedotas de um quotidiano pré-catastrófico.

A novidade é que este quotidiano seja o de uma Inglaterra que Eça, agora, sente conhecer do interior - tal como no tempo em que, falando de Lisboa, se dirigia aos seus leitores do Distrito de Évora. É agora Londres a cidade em véspera de catástrofe. Mesmo a mulher inglesa também desgosta Eça de Queirós, justamente pelo excesso daquela qualidade que, n’ As Farpas, o atraía - a virilidade:

Basta observar um pouco as maneiras da inglesa moderna para se ver que ela poderá ser tudo - uma hábil cavaleira, uma excelente atiradora à pistola, um óptimo companheiro de viagem, um atrevido parceiro para uma partida de bacarat - tudo, menos uma esposa e uma mãe. (1 de Agosto de 1877, CICL: 248)

A tendência para a dissociação entre o prazer e a família, a emancipação institucional do prazer (os quais estiveram provavelmente na raiz da feroz condenação, por Eça, dos meios contraceptivos), que, para o autor, a mulher inglesa agora prefigura, torna-o aqui um crítico violento do vigor e da excessiva afirmatividade feminina - a desordem erótica da mulher é meio caminho andado para a catástrofe moral inglesa.

Quando, nos Ecos de Paris, em 6 de Junho de 1880, a propósito da morte súbita de Flaubert (que ocorrera cerca de um mês antes), Eça de Queirós comenta Madame Bovary, é para sublinhar ainda esta identificação entre a decadência e o essencial desequilíbrio do eros feminino. E, da mesma forma, quando define o projecto de L’ Education Sentimentale, é fácil ler nesta representação uma projecção ideológica clara, encontrando numa geral síndrome feminizante da cultura pós-romântica a causa central de todas as instabilidades da vida social. (cf. CP:16)

A representação de uma actualidade em decomposição, dominada por uma sensualidade desorganizada, terá, num efeito de contraponto que já conhecemos, reconvocado em Eça a nostalgia de uma ordem ideal e de uma harmonia superior, valores cuja rarefacção conceptual seja uma forma de pureza. E, por outro lado, o apego desiludido aos valores simples e humanos, como a solidariedade.

Um agape democrático - eis a forma sucedânea, na sua última década de vida, desse amor natural, suavemente abençoado por Deus nas noites de S. João, evocada trinta anos antes. E o louvor irónico-lírico da doce atmosfera do sul - aqui, como já o fora no Distrito de Évora - pode igualmente integrar-se no esquema ascensional desta nostalgia da brandura, regida por uma instância superior e benfazeja.

Esta tendência refluente da sua última fase determina, também, a evocação cada vez mais insistente dos primeiros românticos, e dos valores da naturalidade e simplicidade artísticas. Não se estranha portanto que, chegado o momento crepuscular do Naturalismo, Eça de Queirós possa, com desenvoltura, reconhecer em "Positivismo e Idealismo" que, provavelmente, o romance experimental nunca existiu. E, mais uma vez, as novas formas - já não as do decadentismo, mas do idealismo - primam pela irregularidade. Agora que a alma está na moda, a poesia e as artes plásticas diluem a representação da realidade física, esbatendo-lhe a consistência. Ou seja: mais uma vez, para Eça, a nova arte comunga do crepúsculo e do caos: os traços que ela privilegia, os do incorpóreo, resolvem-se numa global representação do inorgânico.

A representação marcadamente virilizante do Positivismo-Razão vai adensar-se, sublinhando por contraste o cariz feminizante do polo oposto, o do Idealismo-Imaginação. A este regime exclusivo da oposição e da disjunção dos dois elementos, seguir-se-á agora, segundo Eça, uma espécie de conjunção alternada e regimental, que não parecerá deslocado designar por adultério ideal:

A causa é patente, está toda no modo brutal e rigoroso com que o positivismo científico tratou a imaginação, que é uma tão inseparável e legítima companheira do homem como a razão. O homem de todos os tempos tem tido (se me permitem renovar essa alegoria neoplatónica) duas esposas, que são ambas ciumentas e exigentes, o arrastam cada uma, com lutas por vezes trágicas e por vezes cómicas, para o seu leito particular (…) O positivismo científico, porém, considerou a imaginação como uma concubina comprometedora, de quem urgia separar o homem; - e, apenas se apossou dele, expulsou duramente a pobre e gentil imaginação, fechou o o homem num laboratório a sós com a sua esposa clara e fria, a razão. O resultado foi que o homem recomeçou a aborrecer-se monumentalmente e a suspirar por aquela outra companheira tão alegre, tão inventiva, tão cheia de graça e de luminosos ímpetos, que de longe lhe acenava ainda, lhe apontava para os céus da poesia e da metafísica, onde ambos tinham tentado voos tão deslumbrantes. (NC: 193)

Afinal, para Eça de Queirós, não foi sempre a tendência idealizadora a causa magna do adultério?

A reconciliação simbólica com a feminilidade, resolvendo essa "mésalliance" defensiva e ambígua, consuma-se, num texto de 1898, significativamente dedicado à Rainha D. Amélia, pela glorificação explícita de um ideal feminino.

5. O resgate do feminino e a sua integração na consciência terá determinado, assim, o sentido e a evolução final do imaginário de Eça de Queirós. A busca desse equilíbrio simbólico tem uma dimensão simultaneamente ideológica, afectiva, literária e cultural. De facto, não é claramente esse desequilíbrio a "enfermidade incurável" do século, representada por uma Emma Bovary, ansiando por alguma coisa de melhor, oscilando entre a volúpia de Deus e a da carne, e sofrendo desse "conflito do ideal e do real" - dessa luta entre a imaginação e a razão?

A novidade da imagem que representa a mente humana como um homem com um ménage à trois, reside no facto de que, agora, se trata de um homem, e não de uma mulher adúltera. E esta substituição revela a extensão de uma síndrome "Madame Bovary, c’est moi" queirosiana: - a desordem romântica feminina é a projecção queirosiana, porventura crónica e ocidental, certamente oitocentista, de uma estrutura simbólica antitética bi-sexual, bi-polar, que encontra no campo do eros o ponto nevrálgico do seu desequilíbrio constitutivo. Segredo muito bem guardado, este, por uma defesa cerrada e vigilante. Será este o significado oculto do incesto fraternal d’ Os Maias?

Na imagem platónica, a fantasia e a razão - a forma e a ideia -buscam um equilíbrio que só se entrevê na Arte. Dessa forma, a reabilitação do sublime é, significativamente, servida pela figura reabilitada do adultério. Representação de uma mistificação sublimadora do real, esse adultério imaginário mais não constitui, afinal, do que a natureza e o sentido da Arte. O eros queirosiano é assim uma busca desenganada da totalidade - que só a contrafacção artística pode mimetizar.

Creio que a elevadíssima produtividade do esquema de motivos e valores organicamente ancorados ao campo simbólico do erotismo, precocemente fixados no discurso de Eça de Queirós, e segregando um discurso ideologicamente determinável - pôde encontrar, no matiz calculadamente espontâneo, nessa coloquialidade sofisticada dos discursos não-ficcionais, uma intimidade particular.

Deste modo se reata a afinidade orgânica entre a problemática da criação estética e a ambivalência profunda do eros. Preservada na sublimação estética, a substância sensual da beleza só encontra memória no manto diáfano da forma. A qualidade intrinsecamente erótica do Belo encontra afinal uma forma sinuosa de se perpetuar pecaminosamente, através desse "espectáculo dos ardores, exigências e perversões físicas", que Machado de Assis verbera em Eça.

E, entre a matéria e a ideia, essa "vocação sensual" da escrita queirosiana pode representar, contida e ordenada pelas regras da objectividade e da verosimilhança literárias, a memória do prazer.


Referências Bibliográficas

À excepção dos textos da Revista de Portugal, todas as referências das obras de Eça reenviam à edição Livros do Brasil. É a seguinte a chave da notação adoptada:

C - Correspondência

CDE - Colaboração n’ O Distrito de Évora

CICL - Cartas de Inglaterra e Crónicas de Londres

COE - Cartas e Outros Escritos

CP - Cartas de Paris

NC - Notas Contemporâneas

UCA - Uma Campanha Alegre

TI - Textos de Imprensa VI (da Revista de Portugal), Edição Crítica das Obras de Eça de Queirós, edição de Maria Helena Santana, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1995

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26/10/2008 free counters

Inglaterra e França n'«Os Maias»: Idealização e Realidade

Américo Guerreiro de Sousa

(Américo Guerreiro de Sousa, além de romancista, é doutorado pela Universidade de Oxford, com uma tese sobre a ficção queiroziana nas suas relações com Inglaterra, e autor de vários artigos publicados em Portugal e no estrangeiro.)



Os Maias marcam uma viragem na estética queiroziana mas não uma mudança de visão. Representam o abandono do naturalismo mas reforçam a atitude negativa que Eça de Queiroz tinha da sociedade portuguesa. À indigência nacional são contrapostos os paradigmas da França e da Inglaterra. Mas seriam os modelos perfeitos?
O autor desta obra defende que sobre o realismo de Eça de Queiroz desdobra-se o véu de uma idealização típica de um certo cosmopolitismo nacional, dessa tendência que faz do quintal alheio o jardim de virtudes da nossa ilusão.
Relevando a originalidade, a qualidade formal e a importância crítica de uma obra cuja leitura nos arrasta de pormenor em pormenor, de descoberta em descoberta, até à resolução do conflito entre idealização e realidade que é o objecto principal da sua argumentação, afirma A. Campos Matos no seu comentário preambular a este ensaio:
«Cento e doze anos depois da publicação d'Os Maias, e apesar dos milhares de páginas de estudos e comentários críticos que o romance suscitou, há nele ainda matéria importante a explorar, como o prova o presente enfoque crítico, onde se consubstanciam duas qualidades primaciais: uma original e bem fundamentada congeminação, e a capacidade de a traduzir sob forma concisa e aliciante. Daí que este estudo venha enriquecer o nosso lastro crítico sobre a obra de Eça de Queiroz, e venha prolongar as leituras que dela fizemos e haveremos de continuar a fazer, ajudando-nos a interpretar o significado, nem sempre imediatamente visível, de referências que se escondem sob a fluência e encantamento da sua narrativa.

Género(s): Não-ficção/ Ensaio
Colecção: «Universitária», n.º 96
Código: 11.096
ISBN: 972-21-1502-2
1.ª edição: Outubro 2002

Índice de conteúdos
Nota prévia
Comentário preambular

Capítulo I
A linguagem

Capítulo II
Emparelhamento anglo-francês

Capítulo III
Incidências francesas
1. Língua
2. Literatura
3. Música
4. Vinhos e pratos
5. Decoração e luxo
6. Personagens

Capítulo IV
O referencial inglês
1. Decoração
2. A presença naval inglesa
3. Luxo e moda
4. Sintra e Belém
5. A Inglaterra, país de exílio
6. Personagens inglesas, inglesadas e anglófilas
7. O efeito da ausência
8. Educação inglesa
9. Gentlemen, dandies e snobs

Bibliografia
1. Obras de Eça de Queirós
2. Sobre Eça de Queirós e sua obra
3. Outras obras consultadas
4. Títulos de imprensa periódica

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26/10/2008 free counters

Selton Mello em A mulher invisível


A mulher invisível

Luana Piovani será fruto da imaginação de Selton Mello no novo longa de Claudio Torres

POR VALMIR MOTRATELLI

Claudio Torres, Luana Piovani e Selton Mello

Numa coletiva para a imprensa realizada na manhã dessa quarta-feira (13), o diretor Claudio Torres e os atores Selton Mello e Luana Piovani falaram sobre o começo das filmagens do longa 'A Mulher Invisível'. Durante o encontro, que aconteceu no hall do cine Odeon, no centro do Rio, eles deram detalhes sobre a produção, que conta a história de um homem que idealiza uma mulher perfeita, depois de ser abandonado pela esposa.



Luana, que interpreta a moça 'que não existe em carne e osso', disse que sua personagem Amanda é um novo desafio na carreira. 'Começo como uma mocinha, que surge para ocupar o tempo de solidão do Pedro, o protagonista. Mas depois ela não quer mais sair da cabeça dele, por isso vira uma 'bandida'', contou ela que, pela primeira vez, contracena com Selton.

Para o papel, a atriz teve que usar unhas postiças e longos apliques no cabelo. Perguntado se Luana era uma mulher ideal para sua imaginação, Selton ficou vermelho de vergonha. 'Tá bem, tá bem. Luana é inteligente, bonita, foi muito bem escolhida', disse ele. Claudio Torres, que já assinou a direção de 'O Redentor', dessa vez não usará recursos de efeitos especiais. 'Meu maior efeito será a Luana', brincou o diretor.

O longa, orçado em 6 milhões de reais, tem previsão de estréia nos cinemas brasileiros para o verão de 2008/2009. No elenco também estão Fernanda Torres e Paulo Betti.



FOTOS: MARCOS PORTO/AGNEWS
Fonte: Revista Quem

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26/10/2008 free counters

"Por que não o deixam em paz?", diz Gilberto Braga sobre Fábio Assunção


14/02/2008 - 09h02
da Folha Online

Hoje na Folha O autor de novelas Gilberto Braga falou à coluna de Mônica Bergamo, na Folha de S.Paulo desta quinta-feira (conteúdo disponível para assinantes do UOL e do jornal) sobre o envolvimento do ator Fábio Assunção com um suposto traficante de drogas.

"Por que não deixam o Fábio em paz?", perguntou Braga. "Eu recomendei a ele que só dê entrevista quando for gravar o próximo trabalho".

E o próximo trabalho, segundo o autor, será uma minissérie sobre Tom Jobim prevista para 2010 e de autoria do próprio Braga. Assunção vai interpretar o protagonista.

Nesta semana, Fábio Assunção pediu para sair do elenco da próxima novela das oito da TV Globo. Segundo a assessoria, ele viajou para os EUA.

(“Um homem que quer reger a orquestra precisa dar as costas à plateia.”
James Cook)

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26/10/2008 free counters

"Juízo Final"

Além de Marcello Antony, Alexandre Borges também foi convidado para substituir Fábio Assunção em "Juízo Final", nova novela das oito da Globo, mas não aceitou.
Fonte:
UOL

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26/10/2008 free counters