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sexta-feira, 9 de maio de 2008

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“ Os Maias”

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TESTE FORMATIVO (OS MAIAS DE EÇA QUEIROZ)

TESTE FORMATIVO

Entravam então no perestilo do Hotel Central—e nesse momento um coupé da Companhia, chegando a largo trote do lado da Rua do Arsenal, veio estacar à porta.

Um esplêndido preto, já grisalho, de casaca e calção, correu logo à portinhola; de dentro um rapaz muito magro, de barba muito negra, passou‑lhe para os braços uma deliciosa cadelinha escocesa, de pêlos esguedelhados, finos como seda e cor de prata; depois, apeando‑se, indolente e poseur, ofereceu a mão a uma senhora alta, loira, com um meio véu muito apertado e muito escuro que realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram‑se, ela passou diante deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar. Trazia um casaco colante de veludo branco de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz das suas botinas. O rapaz ao lado, esticado num fato de xadrezinho inglês, abria negligentemente um telegrama; o preto seguia com a cadelinha nos braços. E no silêncio a voz de Craft murmurou:

—Très chic.

Em cima, no gabinete que o criado lhes indicou, Ega esperava, sentado no divã de marroquim, e conversando com um rapaz baixote, gordo, frisado como um noivo de província, de camélia ao peito e plastrão azul‑celeste. O Craft conhecia‑o; Ega apresentou a Carlos o sr. Dâmaso Salcede, e mandou servir vermute, por ser tarde, segundo lhe parecia, para esse requinte literário e satânico do absinto...

Fora um dia de Inverno suave e luminoso, as duas janelas estavam ainda abertas. Sobre o rio, no céu largo, a tarde morria, sem uma aragem, numa paz elísia, com nuvenzinhas muito altas, paradas, tocadas de cor‑de‑rosa; as terras, os longes da outra banda já se iam afogando num vapor aveludado, do tom de violeta; a água jazia lisa e luzidia como uma bela chapa de aço novo; e aqui e além, pelo vasto ancoradouro, grossos navios de carga, longos paquetes estrangeiros, dois couraçados ingleses, dormiam, com as mastreações imóveis, como tomados de preguiça, cedendo ao afago do clima doce...

—Vimos agora lá em baixo—disse Craft indo sentar‑se no divã—uma esplêndida mulher, com uma esplêndida cadelinha griffon, e servida por um esplêndido preto!

O sr. Dâmaso Salcede, que não despregava os olhos de Carlos, acudiu:

—Bem sei! Os Castro Gomes... Conheço‑os muito... Vim com eles de Bordéus... Uma gente muito chique que vive em Paris.

Carlos voltou‑se, reparou mais nele, perguntou‑lhe, afável e interessando‑se:

—O sr. Salcede chegou agora de Bordéus?

Estas palavras pareceram deleitar Dâmaso como um favor celeste: ergueu‑se imediatamente, aproximou‑se do Maia, banhado num sorriso:

—Vim aqui há quinze dias, no "Orenoque”. Vim de Paris...Que eu em podendo é lá que me pilham! Esta gente conheci‑a a bordo. Mas estávamos todos no Hotel de Nantes. Gente muito chique: criado de quarto, governanta inglesa para a filhita, femme de chambre, mais de vinte malas... Chique a valer! Parece incrível, uns brasileiros...Que ela na voz não tem sotaque nenhum, fala como nós. Ele sim, ele muito sotaque... Mas elegante também, Vossa Excelência não lhe pareceu?

—Vermute?—perguntou‑lhe o criado, oferecendo a salva.

—Sim, uma gotinha para o apetite. Vossa Excelência não toma, sr. Maia? Pois eu, assim que posso, é direitinho para Paris! Aquilo é que é terra! Isto aqui é um chiqueiro... Eu, em não indo lá todos os anos, acredite Vossa Excelência, até começo a andar doente. Aquele boulevarzinho, hem!... Ai, eu gozo aquilo!... E sei gozar, sei gozar, que eu conheço aquilo a palmo... Tenho até um tio em Paris.

—E que tio!—exclamou Ega, aproximando‑se.—Íntimo de Gambetta, governa a França... O tio do Dâmaso governa a França, menino!

Dâmaso, escarlate, estoirava de gozo.

—Ah, lá isso influência tem. Íntimo do Gambetta, tratam‑se por tu. Até vivem quase juntos... E não é só com o Gambetta; é com o Mac‑Mahon, com o Rochefort, com o outro que me esquece agora o nome, com todos os republicanos, enfim!... É tudo quanto ele queira. Vossa Excelência não o conhece? É um homem de barbas brancas... Era irmão de minha mãe, chama‑se Guimarães. Mas em Paris chamam‑lhe Mr. de Guimaran...

EA DE QUEIRÓS, Os Maias

QUESTIONÁRIO:

1. Indique o assunto do texto e mostre que o seu desenvolvimento em partes lógicas corresponde à focalização sucessiva de espaços diferentes.

2. “O sr. Salcede chegou agora de Bordéus?’’ Esta pergunta de Carlos não lhe parece ter como fim o mudar o ramo à conversa? Em que medida é que este facto é abonatório da elegância de maneiras de Carlos?

3. Há aqui a introdução de duas personagens de Os Maias: Maria Eduarda e Dâmaso Salcede. Segundo a técnica do romance da época, o narrador apresenta as personagens traçando o seu retrato.

3. 1. Estes dois retratos (caracterizações directas) estão entre si numa relação de semelhança ou de contraste? Justifique a resposta.

3. 2. Mostre que a caracterização directa de Dâmaso é confirmada, ainda no texto, por muitos pormenores de caracterização indirecta.

3.3. Há também no texto a descrição sugestiva de uma paisagem. Segundo os cânones realistas, a paisagem condicionava as personagens (para os românticos era o inverso). A paisagem descrita surge como enquadramento condicionante de Maria Eduarda ou de Dâmaso? Justifique a resposta.

4. Com base no texto, ponha em evidência a linguagem e os recursos estilísticos mais marcantes de Eça.

RESPOSTAS:

1. Assunto do texto: a entrada de Carlos e Cratt no Hotel Central, observando estes a chegada dos Castro Gomes; o pequeno retrato de Dâmaso Salcede e a sua apresentação por Ega a Carlos, já no interior do hotel uma descrição da paisagem exterior observada das duas janelas do gabinete; a conversa dos três amigos com Dâmaso, que fala muito dos Castro Gomes e mais ainda de si.

Pode o texto considerar‑se dividido em quatro partes lógicas.A primeira corresponde à focalização da entrada do hotel: quando Carlos e Craft estavam para entrar, chegam Castro Gomes e a sua linda mulher, que é descrita em si e na sua "entourage”. A segunda parte foca já outro espaço, “Em cima, no gabinete...” e nela se dão alguns traços da personagem Dâmaso, que é apresentado por Ega aos outros amigos. Na terceira parte, há uma bela descrição do espaço exterior descortinado das duas janelas do gabinete. Finalmente, na quarta parte, em que se foca de novo o gabinete, desenrola‑se a conversa entre os três amigos e Dâmaso, que fala ainda mais de si do que dos Castro Gomes.

2. A pergunta referida tem realmente a finalidade de mudar o rumo à conversa. Note que ela é posta depois de Dâmaso ter afirmado que tinha vindo com os Castro Gomes de Bordéus. Carlos desejaria que se falasse de Dâmaso e não dos outros que não estavam presentes. Carlos revela, pois, a elegância moral de pretender evitar mexeriquices.

3.1. Os dois retratos estão entre si numa relação de contraste. Com efeito, a senhora Castro Gomes (Maria Eduarda) é‑nos caracterizada como uma senhora de alta distinção “alta”, “loira”, esplendorosa na “sua carnação ebúrnea”, “com um passo de deusa’’, “maravilhosamente bem feita”, “deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar”, com “um casaco colante de veludo branco’’ e brilhando com "o verniz das suas botinas”. Há em toda esta descrição a distinção e o aprumo harmonioso da mulher clássica. Há, ainda, toda uma “entourage” de harmonia com a elegância da senhora: “um esplêndido preto”, “um rapaz muito magro, de barba muito negra”. “indolente e poseur”, “uma deliciosa cadelinha escocesa”. Toda esta distinção foi sintetizada assim por Craft (e todos reconheciam em Craft um gosto requintado): “Très chic”.

Ao contrário, Dâmaso é‑nos apresentado como um homem gordo e baixo, de maus gostos, fazendo a figura de novo rico: “um rapaz baixote (notar o diminutivo depreciativo), gordo, frisado como um noivo de província, de camélia ao peito e plastrão azul‑celeste” (apresentação ridícula). Como veremos na resposta seguinte, estas características verificar‑se‑ão a seguir, na caracterização indirecta.

Porquê este contraste entre a distinção de Maria Eduarda e a corriqueirice de Dâmaso? É que a primeira estava destinada a ser personagem da tragédia (as personagens da tragédia clássica são sempre nobres) e o segundo estava marcado pelo autor para figurante da crítica de costumes, isto é, da comédia da vida.

3.2. Como vimos, Dâmaso surge no pequeno retrato como uma personagem ridícula, quer no físico, quer na maneira pretensiosa de vestir. E isto que se verifica na caracterização indirecta. É isto que ele próprio revela, no seu comportamento e na sua linguagem. Vejamos: Dâmaso, movido certamente por um complexo de inferioridade, faz tudo por se elevar ao nível de Carlos, procurando atrair, a propósito e a despropósito, a sua benevolência e admiração: “O senhor Dâmaso Salcede, que não despregava os olhos de Carlos...” E quando Carlos lhe perguntou: "O senhor Salcede chegou agora de Bordéus?”, “Estas palavras pareceram deleitar Dâmaso como um favor celeste: ergueu‑se imediatamente, aproximou‑se do Maia, banhado num sorriso”, Dâmaso surge ainda estupidamente gabarola, não sendo sequer capaz de se aperceber da ironia das intervenções de Ega . Assim, declara‑se sabedor da vida dos Castro Gomes (“Conheço‑os muito... Esta gente conheci‑a em Bordéus’’), gaba‑se de ter um tio em Paris ("tenho até um tio em Paris”) e quando Ega interveio ironicamente (“e que tio!... O tio de Dâmaso governa a França, menino!), esta personagem nem sequer suspeita da ironia de Ega, pelo contrário, “Dâmaso, escarlate, estoirava de gozo”. Revela‑se ainda com a mania do chique (“uma gente muito chique... chique a valer!”). É também caricata a forma como Dâmaso explica a maneira como conheceu os Castro Gomes: “Esta gente conheci‑a em Bordéus. Isto é, verdadeiramente conheci-a a bordo’’). Ridículos também os seus critérios para avaliar do chiquismo: "criado de quarto, governanta inglesa, femme de chambre, mais de vinte malas...”À pergunta se queria vermute, veja‑se o ridículo da resposta: "Sim, uma gotinha para o apetite’’. Caricata, também, a forma como enaltece Paris: "Aquilo é que é terra! Isto aqui é um chiqueiro... Aquele boulevarzinho, hem! Ai, eu gozo aquilo... E sei gozar, sei gozar, que eu conheço aquilo a palmo...’’

Dâmaso é, portanto, uma personagem plana, uma caricatura, um tipo social: o novo rico.

3.3. Aparentemente sem vir a propósito, aparece a descrição impressionista da paisagem observada das duas janelas, ao entardecer. Mas é a seguir a esta descrição da paisagem, em que até os barcos dormiam, cedendo ao afago do clima doce, que Craft desabafa: "Vimos agora ali em baixo uma esplêndida mulher...’’ A paisagem surge portanto como enquadramento dessa linda mulher, de perfil clássico. Note‑se que a paisagem tranquila, de uma paz elísia, com várias sugestões cromáticas (cor‑de‑rosa, tom de violeta, a água como uma bela chapa de aço novo) é também ela clássica, apontando mais para o locus amoenus dos clássicos do que para o locus horrendus dos românticos.

4. A linguagem do texto é constituída por um vocabulário simples (com excepção dos estrangeirismos, como “coupé’’, “griffon’’, "poseur’’, "femme de chambre’’, caracterizantes de uma certa mania da época), mas enriquecida e elevada ao nível literário pela expressividade que ganha no contexto. Os adjectivos mais usuais, os verbos mais vulgares, os advérbios mais comuns surgem‑nos com as conotações mais imprevistas.

Veja‑se, por exemplo, o quanto há de imprevisto nos verbos estacar (“um coupé da companhia veio estacar à porta’’), despregar (Dâmaso não despregava os olhos de Carlos), esticar (“o rapaz esticado num fato de xadrezinho”), acudir (“Dâmaso acudiu logo”—acudiu com o sentido de respondeu) banhar ("Dâmaso... banhado num sorriso’’—note‑se o exagero caricato), pilhar (“Que eu, em podendo é lá que me pilham”—pilhar, no sentido de apanhar, caracteriza a linguagem burlesca de Dâmaso), estoirar ("Dâmaso estoirava de gozo...”—exagero cómico). Como se vê, estes e outros verbos são admiravelmente escolhidos por Eça para dar o burlesco, o caricato de personagens tipos, ou caricaturas.

Mas a adjectivação expressiva, já estudada em Garrett, é o maior trunfo estilístico de Eça. Atente‑se nas seguintes expressões colhidas do texto: “uma esplêndida cadelinha, uma esplêndida mulher e um esplêndido preto” (o adjectivo esplêndido, aplicando‑se também à cadelinha e ao preto, tem a função de realçar o encanto da senhora, que se projectava na sua entourage); "deliciosa cadelinha escocesa’’(note-se o duplo adjectivo, um antes e outro depois do substantivo, o primeiro subjectivo e o segundo objectivo); "pêlos esguedelhados’’; "apeando‑se indolente e poseur (valor adverbial dos adjectivos); “uma senhora alta e loira’’; requinte literário e satânico”; “Inverno suave e luminoso’’ (dupla adjectivação em que um dos adjectivos designa uma nota física e outro, psicológica); "carnação ebúrnea’’ (adjectivo erudito a conotar uma elegância clássica); “passo soberano de deusa’’; “rapaz baixote (diminutivo irónico), gordo, frisado’’ (tripla adjectivação de conotações caricatas); “céu largo”; “uma luz elísia”; "nuvenzinhas altas, paradas e tocadas de cor‑de‑rosa “ ( note a expressividade de tocadas’’); “vapor aveludado” (adjectivo metafórico); “água lisa e luzidia’’, grossos navios”; "largos paquetes estrangeiros’’, "ao afago de um clima doce’’, “perguntou‑lhe afável e interessado’’ (dupla adjectivação de valor adverbial).

Eça tira também partido de uma palavra larga como o advérbio de modo, que serve não apenas a expressividade da frase, mas também o seu ritmo: "maravilhosamente bem feita” (hiperbolização da beleza); “o rapaz abria negligentemente um telegrama” (o facto de a negligência se referir à abertura do telegrama, que sempre se abre depressa, o “negligentemente” projecta sobre o rapaz um ar de calma e importância).

Em conclusão: o verbo, o adjectivo e o advérbio dão à linguagem de Eça uma visualidade, um impressionismo surpreendente e, por isso, cativante.

A frequência do imperfeito verbal e do gerúndio (aspecto durativo) aumentam ainda esse carácter de visualidade e de impressionismo, sempre presente na maravilhosa prosa de Eça: “dois couraçados ingleses dormiam... cedendo ao afago do clima doce...”

A frequente animização da paisagem (personificação ou prosopopeia) é também uma das causas do impressionismo desta prosa; “a tarde morria numa paz elísia”; "os longes da outra banda já se iam afogando num vapor aveludado’’; “longos paquetes estrangeiros... dormiam... como tomados de preguiça, cedendo ao afago do clima doce...”. Estes efeitos ao nível semântico das palavras ressaltam mais numa prosa como a de Eça, que se movimenta em períodos curtos, libertos da complicada ordem inversa das palavras, tão do gosto dos clássicos.



[1] In António Borregana, O texto em Análise, 1984, Edição do autor, pág. 93 e seg.s

TESTE FORMATIVO[1]

Não a conhecia. Mas um rapaz alto, macilento, de bigodes negros, vestido de negro, que fumava encostado à outra ombreira, numa pose de tédio—vendo o violento interesse de Pedro, o olhar aceso e perturbado com que seguia a caleche trotando Chiado acima, veio tomar‑lhe o braço, murmurou‑lhe junto à face na sua voz grossa e lenta:

—Queres que te diga o nome, meu Pedro? O nome, as origens, as datas e os feitos principais? E pagas ao teu amigo Alencar, ao teu sequioso Alencar, uma garrafa de champanhe?

Veio o champanhe. E o Alencar, depois de passar os dedos magros pelos anéis da cabeleira e pelas pontas do bigode, começou, todo recostado e dando um puxão aos punhos:

—Por uma doirada tarde de Outono...

—André—gritou Pedro ao criado, martelando o mármore da mesa— retira o champanhe!

O Alencar bradou, imitando o actor Epifànio:

—O quê! Sem saciar a avidez do meu lábio?...

Pois bem, o champanhe ficaria: mas o amigo Alencar, esquecendo que era o poeta das “Vozes de Aurora’’, explicaria aquela gente da caleche azul numa linguagem cristã e prática!...

—Aí vai, meu Pedro, aí vai!

Havia dois anos, justamente quando Pedro perdera a mamã, aquele velho, o papá Monforte, uma manhã rompera subitamente pelas ruas e pela sociedade de Lisboa naquela mesma caleche com essa bela filha ao seu lado. Ninguém os conhecia. Tinham alugado a Arroios um primeiro andar no palacete dos Vargas; e a rapariga principiou a aparecer em S. Carlos, fazendo uma impressão—uma impressão de causar aneurismas, dizia o Alencar! Quando ela atravessava o salão, os ombros vergavam‑se no seu deslumbramento de auréola que vinha daquela magnífica criatura, arrastando com o passo de deusa a sua cauda de corte, sempre decotada como em noites de gala, e, apesar de solteira, resplandecente de jóias. O papá nunca lhe dava o braço: seguia atrás, entalado numa grande gravata branca de mordomo parecendo mais tisnado e mais embarcadiço na claridade loira que saía da filha, encolhido e quase apavorado, trazendo na mão o óculo, o libreto, um saco de bombons, o leque e o seu próprio guarda‑chuva. Mas era no camarote, quando a luz cata sobre o seu colo ebúrneo e as suas tranças de oiro, que ela oferecia verdadeiramente a encarnação de um ideal da Renascença, um modelo de Ticiano... Ele, Alencar, na primeira noite em que a vira, exclamara, mostrando‑a a ela e às outras, as trigueirotas de assinatura:

—Rapazes! É como um ducado de oiro novo entre velhos patacos do tempo do senhor D. João Vl!

O Magalhães, esse torpe pirata, pusera o dito num folhetim do “Português”. Mas o dito era dele, Alencar!

Os rapazes, naturalmente, começaram logo a rondar o palacete de Arroios. Mas nunca naquela casa se abria uma janela. Os criados interrogados disseram apenas que a menina se chamava Maria, e que o senhor se chamava Manuel. Enfim uma criada, amaciada com seis pintos, soltou mais: o homem era taciturno, tremia diante da filha, e dormia numa rede; a senhora, essa, vivia num ninho de sedas todo azul‑ferrete, e passava o seu dia a ler novelas. Isto não podia satisfazer a sofreguidão de Lisboa. Fez‑se uma devassa metódica, hábil, paciente... Ele, Alencar, pertencera à devassa.

E souberam‑se horrores. O papá Monforte era dos Açores; muito moço, uma facada numa rixa, um cadáver a uma esquina tinham‑no forçado a fugir a bordo de um brigue americano. Tempos depois um certo Silva, procurador da Casa de Taveira, que o conhecera nos Açores, estando na Havana a estudar a cultura do tabaco que os Taveiras queriam implantar nas ilhas, encontrara lá o Monforte (que verdadeiramente se chamava Forte) rondando pelo cais, de chinelas de esparto, à procura de embarque para a Nova Orleães. Aqui havia uma treva na história do Monforte. Parece que servira algum tempo de feitor numa plantação da Virgínia... Enfim, quando reapareceu à face dos céus, comandava o brigue “Nova Orleães’’, e levava cargas de pretos para o Brasil, para a Havana e para a Nova Orleães.

Escapara aos cruzeiros ingleses, arrancara uma fortuna da pele do africano, e agora rico, homem de bem, proprietário, ia ouvir a Corelli a S. Carlos. Todavia esta terrível crónica, como dizia o Alencar, obscura e mel provada, claudicava aqui e além...

—E a filha?—perguntou Pedro, que o escutara, sério e pálido.

Mas isso não o sabia o amigo Alencar. Onde a arranjara assim tão loira e bela? Quem fora a mamã? Onde estava? Quem a ensinara a embrulhar‑se com aquele gosto real no seu xale de Caxemira?...

—Isso, meu Pedro, são mistérios que jamais pôde Lisboa astuta devassar e só Deus sabe!

EÇA DE QUEIRÓS, Os Maias

QUESTIONÁRIO:

1. O texto gasta-se todo na elaboração de dois retratos: o de Alencar e o de Maria Monforte.

Mostre que a caracterização directa de Alencar está de acordo com a sua caracterização indirecta.

1.2. Que espécie de personagem é esta e qual a sua função na economia da obra?

1. 3. A caracterização de Maria Monforte processa‑se em três planos (a três níveis).

1.3.1. Como é apresentada esta personagem no primeiro plano? Este retrato representa a maneira de ver de quem? Será um retrato clássico, realista ou romântico?

1.3.2. Donde provêm as informações que constituem a caracterização do segundo plano? Esta segunda caracterização é mais ou menos abonatória que a primeira? Justifique a resposta.

1.3.3. Procure mostrar, se está de acordo, que o terceiro plano da caracterização de Maria Monforte (o que proveio de uma devassa metódica) obedece aos princípios do romance naturalista, se atendermos à relação de causalidade que se supõe existir entre esta personagem e os acontecimentos futuros da intriga central.

2. Que pontos de vista do narrador pode detectar no texto?

RESPOSTAS

1.1. Alencar aparece‑nos claramente caracterizado como poeta romântico, quer directamente, no retrato traçado pelo narrador (“macilento”, “bigodes negros”, “vestido de negro’’, “dedos magros”, “anéis de cabeleira”, “voz grossa e lenta”, “pose de tédio”), quer indirectamente, pelas suas atitudes (“passava os dedos pelos anéis da cabeleira e pelas pontas do bigode”, “todo recostado e dando um puxão aos punhos’’, “o posta das Vozes de Aurora’’), atitudes estas que traduzem uma certa gravidade e solenidade enfáticas. O título do livro citado é também de nítido sabor ultra-romântico.

Mas onde a caracterização indirecta de Alencar é mais nítida é na sua linguagem. Veja‑se o tom caricaturalmente retórico da sua primeira fala: “Queres que te diga o nome, meu Pedro? O nome, as origens, as datas e os feitos principais? (Como se a pessoa em questão fosse uma célebre figura histórica!). Note‑se o tom empoladamente solene da segunda fala: “Por uma doirada tarde de Outono...” e da quarta: “Aí vai, meu Pedro, aí vai!’’. De notar ainda a linguagem um tanto cómica da terceira fala: “O quê! Sem saciar a avidez do meu lábio?...” (Tendência hiperbolizante em “saciar’’ e em “avidez’’ e estranho uso do singular pelo plural: “do meu lábio’’).

Mas após o aviso de Pedro, Alencar iria exprimir‑se já “numa linguagem cristã e prática”, embora essa linguagem lhe seja como que emprestada pelo narrador, em discurso directo livre. No entanto, é o próprio narrador que, em pleno discurso indirecto livre, cita ainda uma bizarra expressão do poeta: “uma impressão de causar aneurismas”.

Vimos portanto que (e é esta a técnica do romance realista) o comportamento da personagem (caracterização indirecta) confirma e está de acordo com o retrato antecipadamente traçado pelo narrador.

1.2. Alencar é caricatura do poeta ultra romântico. A sua função é a de simbolizar um romantismo exacerbado (uma espécie de último canto do cisne) em contraponto com a ideia nova do Realismo. Numa obra que teve como subtítulo “Episódios da Vida Romântica”, fica bem um representante da Literatura que formou, que educou a sociedade aqui satirizada.

1.3.1. No primeiro plano, Maria Monforte é analisada sob a óptica da sociedade. Alencar apresenta‑a (pela boca do narrador) segundo a maneira como era vista pela sociedade. Ressaltam portanto as qualidades objectivas, que deu mais nas vistas: “passo de deusa”, “cauda de corte”, “Sempre decotada’’, “resplandecente de jóias”, “colo ebúrneo”, tranças de oiro”. Mesmo as qualidades subjectivas são aquelas que ferem geralmente ma is a atenção da sociedade “ombros de deslumbramento de auréola “ magnifica criatura”, “claridade loira’’. Trata‑se portanto de uma visão de aparências e não em profundidade.

Apesar de umas certas aparências de idealidade, o retrato não é romântico, é, sim, nitidamente clássico. Atente‑se nas qualidades que apontam para a mulher deusa, a matrona de rara nobreza: “deslumbramento de auréola”, “resplandecente de jóias”, “claridade loira”, “colo ebúrneo”, “tranças de oiro” (note‑se que estas expressões sugerem todas efeitos cromáticos de claridade e não de sombra), “passo de deusa”, “cauda de corte”. Não há dúvida que este tipo, de mulher está dentro do ideal clássico, como directamente afirma o narrador: “encarnação de um ideal da Renascença”, “um modelo de Ticiano”. Se compararmos este retrato com o de Raquel Cohen (p. 13o), esse, sim, verdadeiramente romântico, teremos ocasião de ver a enorme diferença.

1.3.2. As informações que constituem a caracterização do segundo plano provêm da criadagem, e, se aparentemente pouco nos dizem, revelam, pelo menos, duas coisas que nada abonam em favor de Maria Monforte: Primeiramente, o chocante contraste entre a tristeza do pai que “tremia diante da filha e dormia numa rede” e a arrogância da filha, que “vivia num ninho de sedas”, depois, o facto de passar o dia a ler novelas. Tratava‑se evidentemente de novelas da época: românticas. Este pormenor, o único romântico, bastaria para explicar toda a vida aventureira desta personagem. E uma personagem—mãe, assim fútil e aventureira, serve perfeitamente ao romance positivista, para explicar o fracasso de seus filhos Carlos e Maria Eduarda.

1 .3.3. Só indirectamente é que se caracteriza aqui Maria Monforte. Quem é caracterizado é o pai: assassino e possuidor de grande fortuna “arrancada à pele dos pretos”. Da mãe de Maria, nada se sabe. O texto faz parte da intriga secundária de Os Maias, que, segundo a técnica do romance naturalista, nos apresenta antecedentes genéticos, ou hereditários, que explicam de alguma forma o procedimento das personagens centrais (neste caso Carlos e Maria Eduarda, filhos de Maria Monforte). Na realidade, esta Maria Monforte está admiravelmente talhada para mãe de duas personagens como Carlos e Maria Eduarda.

2. Quanto ao ponto de vista do narrador, encontramos no texto a focalização omnisciente no que toca à caracterização de Alencar. Com efeito. o narrador sabe tudo a respeito de Alencar, até sabe o que ele pensa (“vendo o violento interesse de Pedro”, “isso não sabia o amigo Alencar”). No que diz respeito, porém à caracterização de Maria Monforte, estamos perante uma focalização interna, pois o narrador, quase sempre em discurso indirecto livre, assume o ponto de vista de Alencar.



[1] In António Borregana, O Texto em Análise, 1984, Edição do Autor, pag.s 99

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Questões sobre "Os Maias" de Eça de Queirós

Questões sobre "Os Maias" de Eça de Queirós

In exames nacionais

1 - Da geração de 70 destacou-se o autor do romance “Os Maias”. Numa cuidada composição, clara, concisa, e correcta sobre todos os aspectos, exponha o que sabe sobre a sátira feita nessa obra através das seguintes personagens: João da Ega, Tomás de Alencar, Dâmaso e Eusébio.

2 - Considerando “Os Maias” como uma pintura da sociedade lisboeta, faça uma composição em que, centrando-se em dois quadros desse imenso painel, refira:
. a classe social focada,
. o modo como é definida pelo narrador,
. o processo pelo qual o narrador lhe confere realidade.

3 - “Independente! Só por isso os jornalistas me negam as colunas”.
A falta de dignidade de certa imprensa é também motivo de crítica em Eça de Queirós. Refira-se a passos de “Os Maias” que condenam, o mau jornalismo da época.

4 - “Ela cruzava-o numa bela tarde, bela como uma deusa transviada”.
Estabeleça um confronto entre a visão que Carlos tem de Maria Eduarda com a concepção da mulher que pôde apreciar em textos de poética trovadoresca.

5 - “... meu amado...” e “... meu marido...” definem a ligação que Maria Eduarda e Maria Monforte estabelecem com duas personagens em “Os Maias”. O amor por elas inspirado é um dos responsávis pelo clima trágico vivido no romance.
Numa cuidada composição, desenvolva os aspectos implícitos nestas afirmações.

6 - Numa cuidada disertação, comente as seguintes afirmações de Ernesto Guerra da Cal sobre “Os Maias”: Todas as personagens são derrotadas duma maneira ou doutra, todo o mundo mais ou menos falha” diz João da Ega - Isto é, falha-se sempre na realidade aquela vida que se planeou com a imaginação.”

7 - Aprecie criticamente a afirmação abaixo transcrita, baseando-se na actuação de Carlos e Ega ao longo da obra:
“ - E que somos nós? - exclamou Ega - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão”.

8 - Atente no seguinte passo de “os Maias”:
“... Era uma manhã muito fresca, toda azul e branca, sem uma nuvem, com um lindo sol que não aquecia, e punha nas ruas, nas fachadas das casas, barras alegres de claridade dourada. Lisboa acordava lentamente: as saloias ainda andavam pelas portas com os seirões das hortaliças; varria-se devagar a testada das lojas; no ar macio morria à distância um toque fino de missa”.
Numa dissertação cuidada, explique como Eça de Queirós põe em prática neste passo e ao longo da obra as ideias expostas na 4ª Conferência do Casino, subordinada ao título “O Realimo como nova expressão de Arte”:
“O Realismo deve ser perfeitamente do seu tempo, tomar a sua matéria na vida contemporânea. Deste princípio, que é basilar, que é a primeira condição do Realismo, está longe nossa literatura.”

9 - No romance “Os Maias” encontramos personagens planas, personagens modeladas ou meros figurantes. Refira-se de forma especial a esta última categoria, indicando por meio de exemplos devidamente seleccionados a função que desempenham na obra.

10 - Também Carlos, que julgava encontrar um paraíso no seu amor por Maria Eduarda, acaba por cair num inferno sentimental que ocasiona a morte inesperada do avô. Mostre, numa curta mas cuidada composição, que existem n’Os Maias além de crítica mordaz aos costumes da época, uma tragédia familiar.

11 - No final d’Os Maias, Carlos da Maia e João da Ega percorrem o Chiado, onde encontram Dâmaso Salcede.
Trace o perfil deste figurante e ponha em relevo sua função na obra.

12 - Os Maias reflectem a sobreposição de valores materiais às forças criadoras no mundo artístico da Lisboa da Regeneração, já que nos é possível confrontar o ponto de vista do narrador e de algumas personagens sobre literatura (no jantar do Hotel Central, por exemplo), a conduta de alguns artistas (como Tomás de Alencar e Cruges) e a reacção do público (no Sarau da Trindade).
Analise os elementos acima referenciados e demonstre o seu valor para a caracterização da sociedade da época.

13 - Há, em OS MAIAS, vários espaços físicos descritos.
Numa cuidada dissertação, indique esses espaços a defina as suas funções no romance a partir da perspectiva do narrador e das personagens que com eles se relacionam.

14 - “Se soubermos ler Os Maias, Carlos fraquejou... apesar da educação recebida. Quais portanto os motivos da sua frustração? Dois basicamente: o temperamento, portuguesmente mole e apaixonado; o meio lisboeta, portuguesmente ocioso.”
J. Prado Coelho, Ao Contrário de Penélope

Numa redacção organizada, baseando-se na leitura de Os Maias, desenvolva opinião citada.

15 - “EÇA DE QUEIRÓS (...) Incorporou assim o trágico do amor impossível, com todas as suas românticas implicações, no realismo do romance de costumes. E não se pretenda que o dissolveu pela ironia ou pela censura crítica. O trágico subsiste n’ Os Maias como um dos valores estéticos maiores.”
Jacinto do Prado Coelho, “Ao Contrário de Penélope”
Baseando-se na citação transcrita e na leitura que fez do romance “Os Maias”, elabore uma composição cuidada, mostrando que o trágico subsiste na obra como “um dos valores estéticos maiores”.

16 - “As personagens de Os Maias, tanto como as situações, os sentimentos, os conceitos, são múltiplas peças dum grande jogo de contrastes, ora categóricos, violentos, ora ténues, de simples cambiantes.”
Jacinto do Prado Coelho, “Ao Contrário de Penélope”
Numa composição cuidada, desenvovlva afirmação de J. Prado Coelho, a partir do contraste entre a educação de Carlos e Eusebiozinho e seus reflexos na construção daquelas personagens, considerando o seu percurso na obra.

IN http://www.netprof.pt/

1. O problema da Educação em " Os Maias " adquire uma importância fundamental.

  • Explique devidamente as características fundamentais de cada modelo educacional, apresentado na obra e os seus reflexos no percurso vivencial das personagens que os representam.

2. Explique devidamente a existência de um subtítulo na obra.

3. Esclareça a articulação entre a Intriga principal e a Intriga secundária.

4. Comente o valor da amizade que se estabelece entre Carlos da Maia e Ega.

5. Alencar e Ega representam duas concepções filosóficas e literárias distintas e antagónicas.

  • Identifique-as e comente a polémica gerada entre as duas personagens.

6. Explique, à luz das actuações das personagens ao longo da obra, as afirmações de Carlos e Ega, no último capítulo da obra:

  • " - E que somos nós ?- exclama Ega. - Que temos nós sido desde o colégio, desde o exame de Latim? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela razão..."

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26/10/2008 free counters

ROTEIRO PARA UMA LEITURA DE «OS MAIAS»


1 - Adquira conhecimentos gerais sobre a vida e obra de Eça de Queirós, através de qualquer Literatura Portuguesa, Dicionário de Literatura ou em qualquer dos "sítios" da Internet que lhe indicámos.

  • Adquira a edição de «Livros do Brasil», pois as páginas que se referirem neste trabalho correspondem a essa edição.

2 - A arquitectura do Romance:

Repare que além do título «Os Maias», o livro tem um subtítulo «Episódios da Vida Romântica». O autor quis contar, por um lado, a história de uma família, os Maias, através de várias gerações; o subtítulo indica uma segunda intenção, descrever certo estilo de vida - o romântico - através de episódios.

Leia os primeiros quatro capítulos e constate que no romance há um começo, que põe em foco um lugar e nos situa num tempo determinado («A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no Outono de 1875...», a pp. 5 da edição de Livros do Brasil), um recomeço («foi só nas vésperas da sua chegada, nesse lindo Outono de 1875, que Afonso se resolveu enfim a deixar Santa Olávia e vir instalar-se no Ramalhete», p. 10) e um novo recomeço em que o Outono de 1875 volta a ser o tópico-pivot: «E então Carlos Eduardo partiu para a sua longa viagem pela Europa. Um ano passou. Chegara esse Outono de 1875; e o avô, instalado enfim no Ramalhete, esperava por ele ansiosamente» (pp. 95-96).

Ora é neste momento que a acção do romance efectivamente se inicia, com a inerente alteração do ritmo narrativo (passagem a tempo mais lento, e, sobretudo, entre as cenas, hiatos muito mais curtos), sendo tudo quanto fica nas oitenta e cinco páginas anteriores simples preparação constituída pela história em retrospectiva (a analepse) da família Maia, centrada em Afonso da Maia.

A acção não abrange meio século mas apenas cerca de catorze meses, do Outono de 1875 a fins de 1876; e, enquanto os antecedentes familiares, de cerca de 1820 a 1875, só ocupam oitenta e cinco páginas, os catorze meses da acção, de que são protagonistas Carlos e Maria Eduarda (não falando em Afonso, que figura como vítima e como elemento determinante do desfecho), espraiam-se por mais de quinhentas e noventa páginas. Segue-se um epílogo, situado, na cronologia do narrado, dez anos depois, em 1887; este epílogo, retrospectivo, reflexivo, abrange vinte e sete páginas - quase todo o capítulo XVIII, cujas duas primeiras páginas referem ainda os consequentes imediatos do desfecho, quer dizer, da separação definitiva dos amantes: a segunda viagem de Carlos pelo mundo e a sua instalação em Paris.

Em esquema, a arquitectura d’Os Maias poderia, portanto, representar-se assim:

Chave:

1 - Introdução (5 pp.): marco inicial da acção; o Ramalhete; Afonso.

2 - Preparação (cerca de 85 pp.):

a) juventude de Afonso;

b) infância de Pedro;

c) juventude, amores e suicídio de Pedro

  • Para alguns críticos constitue uma primeira intriga secundária que abre para a intriga principal

d) infância e educação de Carlos;

e) Carlos, estudante em Coimbra;

f) primeira viagem de Carlos.

  • Durante a sua leitura procure identificar os traços marcantes da vida e educação da família Maia.

3 - Acção (cerca de 590 pp.)

3.1 - Intriga principal (história dos amores trágicos de Carlos e Maria Eduarda); relaciona-se com o título do romance.

  • Vá anotando, à margem, os marcos principais da evolução da história: introdução, acção, clímax da acção, desenlace; informantes de tempo e espaço; indícios do futuro, etc.

3.2 - Comédia de costumes (uma outra intriga secundária - pano de fundo onde se desenrola a intriga principal) onde perpassam figuras típicas da sociedade lisboeta; relaciona-se com o sub-título «Episódios da Vida Romântica».

  • Situe, à medida que for lendo, os episódios que se seguem, indicando quais os aspectos críticos que os informam - personagens e ideias

- Jantar do Hotel Central

- Jantar dos Gouvarinhos

- Corridas no Hipódromo

- Baile dos Cohen

- Sarau no Teatro da Trindade

- Passeios a Sintra

- Redacção do jornal «A Tarde»)

4 - Epílogo (cerca de 27 pp.)

4.1 - viagem de Carlos e do Ega (1877-78)

4.2 - cenas da estada de Carlos em Lisboa, oito anos depois (1887)

Este epílogo é retrospectivo, reflexivo. Coloque-se na perspectiva de Carlos e Ega, reveja com eles os espaços e as personagens deixadas há dez anos e comente, à margem, os aspectos críticos que achar mais significativos.

Texto adaptado de um trabalho de Jacinto do PradoCoelho, «Para a compreensão d’Os Maias como um todo orgânico»

Prof. Mata Fernandes

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Hotel Lawrence - entre finais do séc. XIX e princípios do séc. XX

- A Lawrence onde é? Na serra? - perguntou ele com a ideia repentina de ficar ali um mês naquele paraíso. [...]
In Os Maias, 1888




Hotel Lawrence - Cintra
J. Barrera (fot.), Lisboa Artística e Industrial..., 1908, p. 48
BN E.A. 78 P.

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HOTEL CENTRAL

Para os apreciadores de Eça de Queiroz, e em particular da sua sobejamente conhecida obra "Os Maias", o jantar desta sessão de poesia revestiu-se de um sabor a fantasia, requinte e ficção.



O palco de toda a acção foi o Sintra Central Hotel (antigo Hotel Central), homónimo do Hotel Central (Cais do Sodré), elemento crucial na obra de Eça. De facto, em toda a narrativa de "Os Maias", a refeição com maior relevo parece ser o jantar no Hotel Central, com a sua polivalência de fins, entre as quais, a de contribuir para o desenvolvimento da teia amorosa.

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HOTEL CENTRAL








É no momento em que entram no Hotel que Carlos e Craft se deparam com a, então ainda desconhecida, Maria Eduarda, que passa por ambos antes destes jantarem. Mais tarde este "encontro" fugaz será sentido como um presságio vagueando pelas lembranças e fantasias de Carlos antes de adormecer nessa mesma noite.

"Uma mulher passava, com um casaco de veludo branco de Gênova, mais alta que uma criatura humana, caminhando sobre nuvens..."

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Os Maias é uma das obras mais conhecidas do escritor português Eça de Queirós.

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Nota: Esta página é sobre a obra literária de título "Os Maias". Se procura outros significados da mesma expressão, consulte Maias (desambiguação).
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Capa da primeira edição do volume I, em 1888
Capa da primeira edição do volume I, em 1888

Os Maias é uma das obras mais conhecidas do escritor português Eça de Queirós.


Índice

[esconder]

[editar] Resumo da obra

Info Aviso: Este artigo ou seção contém revelações sobre o enredo (spoilers).

Tudo começa no primeiro capítulo, quando se descreve a casa – “O ramalhete”- Lisboa, mas que nada tem de fresco ou de campestre. O nome vem-lhe de um painel de azulejos com um ramo de girassóis, colocado onde deveria estar a pedra de armas.

"A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na visinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janellas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete. Apesar d'este fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casarão de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no primeiro andar, e por cima uma timida fila de janellinhas abrigadas à beira do telhado, tinha o aspecto tristonho de Residencia Ecclesiastica que competia a uma edificação do reinado da sr.ª D. Maria I: com uma sineta e com uma cruz no topo assimilhar-se-hia a um Collegio de Jesuitas. O nome de Ramalhete provinha de certo d'um revestimento quadrado de azulejos fazendo painel no logar heraldico do Escudo d'Armas, que nunca chegara a ser collocado, e representando um grande ramo de girasoes atado por uma fita onde se distinguiam letras e numeros d'uma data. Longos annos o Ramalhete permanecera deshabitado, com teias d'aranha pelas grades dos postigos terreos, e cobrindo-se de tons de ruina. Em 1858 Monsenhor Buccarini, Nuncio de S. Santidade, visitara-o com idéa d'installar lá a Nunciatura,(...)"

Os Maias (1888)

Afonso da Maia casou-se com Maria Eduarda Runa e do seu casamento resultou apenas um filho - Pedro da Maia. Pedro da Maia, que teve uma educação tipicamente romântica, era muito ligado à mãe e após a sua morte ficou inconsolável, tendo só recuperado quando conheceu uma mulher chamada Maria Monforte, com quem casou, apesar de Afonso não concordar. Deste casamento resultaram dois filhos: Carlos Eduardo e Maria Eduarda. Algum tempo depois, Maria Monforte apaixona-se por Tancredo (um italiano que Pedro fere acidentalmente e acolhe em sua casa) e foge com ele para Itália, levando consigo a filha, Maria Eduarda. Quando sabe disto, Pedro, destroçado, vai com Carlos para casa de Afonso, onde comete suicídio. Carlos fica na casa do avô, onde é educado à inglesa (tal como Afonso gostaria que Pedro tivesse sido criado).

Passam-se alguns anos e Carlos torna-se médico - abre um consultório. Mais tarde conhece uma mulher no Hotel Central num jantar organizado por Ega (seu amigo dos tempos de Coimbra) em homenagem a Cohen. Essa mulher vem mais tarde saber chamar-se Maria Eduarda. Os dois apaixonam-se. Carlos crê que a sua irmã morreu. Maria Eduarda crê que apenas teve uma irmãzinha que morreu em Londres. Os dois namoram em segredo. Carlos acaba depois por descobrir que Maria lhe mentiu sobre o seu passado – podiam ter-se zangado definitivamente. Guimarães vai falar com João de Ega, e dá-lhe uma caixa que diz ser para Carlos ou para a sua irmã Maria Eduarda. Aí Ega descobre tudo, conta a Vilaça (procurador da família Maia) e este acaba por contar a Carlos o incesto que anda a cometer. Afonso da Maia morre de desgosto. Há ainda a abordagem científica. O romance foi escrito numa altura em que as ciências floresciam. Eça joga nele com o peso da hereditariedade (Carlos teria herdado da avó paterna e do próprio pai o carácter fraco, e da mãe a tendência para o desequilíbrio amoroso), e da acção do meio envolvente sobre o indivíduo (Carlos fracassa, apesar de todas as condicionantes que tem a seu favor, porque o meio envolvente, a alta burguesia lisboeta, para tal o empurra). A psicologia dava os seus primeiros passos – é assim que Carlos, mesmo sabendo que a mulher que ama é sua irmã, não deixa de a desejar, uma vez que não basta que lhe digam que ela é sua irmã para que ele como tal a considere.

[editar] Lisboa do tempo dos Maias

Há em “Os Maias” um retrato da Lisboa da época. Quem conheça Lisboa pode espantar-se com o muito que as personagens andam a pé – Carlos, que mora na Rua das Janelas Verdes, caminha com frequência até ao Rossio (embora, por vezes, vá a cavalo ou de carruagem), coisa que, hoje, poucos lisboetas se disporão a fazer. Algumas das lojas citadas no livro ainda existem – a Casa Havaneza, no Chiado, por exemplo. É possível seguir os diferentes percursos de Carlos ou do Ega pelas ruas da Baixa lisboeta, ainda que algumas tenham mudado de nome. No final do livro, quando Carlos volta a Lisboa muitos anos depois, somos levados a ver as novidades – a Avenida da Liberdade, que substituiu o Passeio Público, e que é descrita como uma coisa nova, e feia pela sua novidade, exactamente como nos anos 70 se falava das casas de emigrante.

[editar] O Ramalhete

Habitado no Outono de 1875, o Ramalhete situava-se na Rua de São Francisco de Paula, Janelas Verdes, Lisboa. É portanto uma casa afastada do centro de Lisboa, na altura, num local elevado da cidade, no bairro onde hoje se situa o Museu Nacional de Arte Antiga.

O seu nome deriva do painel de azulejos com um ramo de girassóis pintados que se encontrava no lugar heráldio, ao invés do brasão de família. Estes girassóis não são desapropriados, pois simbolizam a ligação da família à terra, à agricultura.

Em Os Maias, o Ramalhete é visto em três perspectivas diferentes:

  • - Posto ao abandono
  • - Habitada por Carlos da Maia e o avô, depois de decorada por um inglês.
  • - Dez anos depois, posta novamente ao abandono, depois de ser habitada dois anos (2ª perspectiva)

Quatro elementos vão ser muito importantes na caracterização do edifício em cada uma das perspectivas. São eles um cipreste e um cedro, uma cascatazinha e uma estátua de Vénus Citereia.

[editar] Primeira perspectiva

Na primeira perspectiva o Ramalhete é descrito como um inútil pardieiro (palavras de Vilaça) e simples depósito das mobílias vindas dos palacetes de Benfica e Tojeira, vendidos recentemente (1870). Vilaça não concordava com a compra deste palacete, pois tinha sido em Benfica que Pedro da Maia se suicidara, para além de que aquela casa ser a ilustre morada da família.

Era um edifício de paredes severas. Tinha um terraço de tijolo e um pobre quintal inculto, onde envelheciam um cipreste e um cedro, permanecia uma cascatazinha seca e jazia a um canto uma estátua de Vénus Citereia. A descrição de cada um desses elementos, dá-nos a ideia de que este é um local votado ao abandono.

Um dos elementos principais na descrição do Ramalhete, é uma estátua de Vénus Citereia, identidade reconhecida por Monsenhor Buccarini, Núncio de Sua Santidade.
Um dos elementos principais na descrição do Ramalhete, é uma estátua de Vénus Citereia, identidade reconhecida por Monsenhor Buccarini, Núncio de Sua Santidade.
    • Vénus Citereia
"... enegrecendo a um canto na lenta humidade das ramagens silvestres."
Enegrecendo - O uso do gerúndio confere uma ideia de continuidade que já vem do passado.
Canto - Esta expressão reforça a ideia de abandono do local. Geralmente um canto é um local solitário e esquecido, ao passo que a estátua de Vénus acompanha o estado de abandono do edifício.
Lenta humidade - Esta expressão é uma marca do estilo pessoal do autor. O objectivo, ao trocar muito por lento, é realçar o passar dos anos, e não a quantidade de humidade.
    • Cascatazinha
"... uma cascatazinha seca"
Cascatazinha seca - Este adjectivo simboliza a ausência de vida. O uso do diminutivo inclui na obra queiroziana, geralmente, uma caracterização depreciativa e irónica. No entanto, aqui o objectivo de Eça é dar a impressão de que é algo simples, singelo.
    • Cipreste e cedro
Simbolizam a morte, por associação do cipreste aos cemitérios, em Portugal.
Sem nenhuma descrição adicional.

[editar] Segunda perspectiva

Depois de decorado por um inglês o edifício tem agora um aspecto rejubilante, novo e limpo. Esta perspectiva simboliza o apogeu do Ramalhete. Entretanto, permanece ainda o estilo romântico, bucólico e um certo melancolismo dramático. Enquanto dois elementos nos levam para um ambiente próspero, outros dois, nomeadamente o cedro e o cipreste, continuam a ser um espectro da tragédia, pois são aqui descritos como dois amigos tristes.

A citação de Versalhes, de forma metafórica, descreve a resplandecência do edifício na segunda perspectiva, marca do apogeu da intriga principal.
A citação de Versalhes, de forma metafórica, descreve a resplandecência do edifício na segunda perspectiva, marca do apogeu da intriga principal.
    • Vénus Citereia
"... parecia ter chegado de Versalhes."
Chegado de Versalhes - Esta metáfora simboliza o apogeu da estátua e, consequentemente das duas protagonistas das intrigas principal e secundária, Maria Eduarda e Maria Monforte, respectivamente. Só esta expressão bastaria para descrever o ambiente do Ramalhete durante a segunda perspectiva, pois dá conta da sua resplandecência.
    • Cascatazinha
"... uma delícia"
Delícia - O que antes era uma cascatazinha seca, é descrita agora como uma delícia. Esta expressão simboliza a vida e alegria, assim como algo ternurento.
    • Cipreste e cedro
"... envelhecendo juntos como dois amigos tristes"
Envelhecendo - Novamente o uso do gerúndio: acção contínua.
Amigos tristes - Esta comparação confere uma sensação de ambiguidade, dentro desta perspectiva, pois remete-nos para uma carga melancólica, ao passo que todos os outros elementos acompanham o aspecto novo e pleno de vida do edifício.

[editar] Terceira perspectiva

Na terceira perspectiva, a casa e o ambiente que a envolve que a caracteriza, torna a ser descrito de forma melodramática. Esta perspectiva é dada dez anos depois de Maria Eduarda e Carlos da Maia cometerem o incesto, período no qual ele torna a Lisboa, antes de partir para o Japão em viagem. Este último capítulo é aproveitado novamente para descrever Portugal, depois de dez anos, onde poucas mudanças se notavam. Com João da Ega, Carlos da Maia percorre os locais que havia frequentado, até chegar ao velho casarão de novo votado ao abandono, tal como o conheceram. Todos os elementos que habitualmente caracterizam o palacete nas outras duas perspectivas, vão voltar a transmitir o abandono e a melancolia daquele espaço.

    • Vénus Citereia
"... uma ferrugem verde, de humidade, cobria os grossos membros da Vénus Citereia."
Grossos membros - Enquanto na primeira perspectiva, a que está mais próxima desta terceira, a estátua ainda parece conservar alguma da sua beleza, nesta descrição os seus membros são tratados como "grossos", sinal da feiura a que o abandono a votou.
    • Cascatazinha
"... e mais lento corria o prantozinho da cascata."
Prantozinho da cascata - Esta expressão significa que da cascata, que na segunda perspectiva, parecia uma delícia, escorriam agora lentas lágrimas.
    • Cipreste e Cedro
"... envelheciam juntos, como dois amigos num ermo."
Como dois amigos num ermo - O uso da expressão ermo, invoca, mais que abandono, inexistência de vida, visto que, pelo significado, ermo é um campo deserto.

[editar] Resumo de Os Maias

A acção de "Os Maias" passa-se em Lisboa, na segunda metade do séc. XIX, e apresenta-nos a história de quatro gerações da família Maia. A acção inicia-se no Outono de 1875, quando Afonso da Maia, nobre e rico proprietário, se instala no Ramalhete com o neto recém formado em Medicina. Neste momento faz-se uma longa descrição da casa – “O Ramalhete”, cujo nome tem origem num painel de azulejos com um ramo de girassóis, e não em algo fresco ou campestre, tal como o nome nos remete a pensar. Afonso da Maia era o personagem mais simpático do romance e aquele que o autor mais valorizou, pois não se lhe conhecem defeitos. É um homem de carácter, culto e requintado nos gostos. Em jovem aderiu aos ideais do Liberalismo e foi obrigado, por seu pai, a sair de casa e a instalar-se em Inglaterra. Após o pai falecer regressa a Lisboa para casar com Maria Eduarda Runa, mas pouco tempo depois escolhe o exílio por razões de ordem política.

Fruto deste casamento resultou apenas um filho, Pedro da Maia, que apresentava um temperamento nervoso, fraco e de grande instabilidade emocional. Afonso desejaria educá-lo à inglesa, mas Maria Eduarda, católica fervorosa, cujo fanatismo mais se exacerba ao viver em Inglaterra, país protestante, não o consente e Pedro é educado por um padre mandado vir de Lisboa. Pedro cresce, muito ligado à mãe e após a sua morte, ficou inconsolável,tem crises de melancolia negra recuperando apenas quando conhece uma mulher, extraordinariamente bela e vistosa, chamada Maria Monforte. Enamora-se dela e, apesar do seu pai não concordar, casa com ela, o que o afasta do convívio do pai. O jovem casal parte para Itália e inicia uma vida faustosa. Nascem-lhes dois filhos: Maria Eduarda e Carlos Eduardo. Pouco depois do nascimento do segundo filho, Maria Monforte apaixona-se por um italino, visita da casa e, um dia, Pedro chega a casa e descobre que a mulher fugiu com o italiano, levando a filha. Desesperado, refugia-se em casa do pai, levando o filho, ainda bebé. Nessa mesma noite, depois de escrever ao pai uma longa carta, Pedro suicida-se com um tiro. Afonso da Maia dedica a sua vida ao neto a quem dá a educação inglesa, forte e austera, que em tempos sonhara para o filho.Num capítulo do livro essa educação, considerada a ideal, é contraposta à que umas vizinhas, as senhoras Silveiras dão ao filho e sobrinho Eusebiozinho. Passados alguns anos, Carlos contra a vontade de todos, excepto de seu avô, tornou-se médico (profissão que, ainda nos finais do século XIX, era considerada suja e indigna de um homem de bem) e acaba por montar um luxuoso consultório e até por mandar construir um laboratório, onde pretende dedicar-se à investigação). Após várias aventuras, um dia conhece uma mulher chamada Maria Eduarda e apaixona-se por ela, mas supõe-na casada com um cavalheiro brasileiro, Castro Gomes. Carlos e Maria tornam-se amantes. Carlos, com excepção da sua viagem no fim do curso, viveu sempre em Portugal, pensando que a sua irmã e a mãe morreram, e Maria Eduarda apenas se lembra de que teve uma irmãzinha, que morreu em Londres. Regressado a Lisboa e desagradado com os boatos de que a sua «mulher» seria amante de Carlos, Castro Gomes revela a esta que Maria não é a sua mulher mas apenas uma senhora a quem ele paga para viver consigo. É assim que Carlos descobre que Maria lhe mentiu sobre o seu passado. Ela conta-lhe o que sabe sobre a sua vida e ele perdoa-lhe. Resolvem fugir, mas vão adiando o projecto, pois Carlos receia magoar o avô. Este, já velho passa o tempo em conversas com os amigos, lendo, com o seu gato – Reverendo Bonifácio – aos pés, opinando sobre a necessidade de renovação do país. Afonso é generoso para com os amigos e os necessitados, ama a natureza e o que é pobre e fraco. Tem altos e firmes princípios morais. A verdade precipita-se quando um tio de um amigo de Carlos, absolutamente por acaso, revela a Ega, o grande amigo de Carlos, que Maria é irmã deste. Embora Ega seja cauteloso ao dar a notícia a Carlos, este tem um grande choque. No entanto, não consegue pensar em Maria como irmã e continua a ser seu amante. Ao descobrir a verdade, Afonso morre de uma apoplexia. Carlos e Maria separam-se. Carlos vai viver para Paris.

O romance termina quando Carlos, anos passados, regressa a Lisboa de visita. O final é ambíguo, como o foi a acção de Carlos e João da Ega ao longo da narrativa: embora ambos afirmem que "não vale a pena correr para nada" e que tudo na vida é ilusão e sofrimento, acabam por correr desesperadamente para apanhar um transporte público que os leve a um jantar para o qual estão atrasados.

[editar] Dados Técnicos

Os Maias foi publicada no Porto em 1888, em 2 volumes (um de 458 e outro de 532 páginas), pela Livraria Internacional de Ernesto Chardron. É considerada por muitos a melhor obra de sempre de Eça de Queirós.

[editar] A crítica social ou dos costumes

O romance veicula sobre o país uma perspectiva muito derrotista, muito pessimista. Tirando a natureza (o Tejo, Sintra, Santa Olávia…), é tudo uma «choldra ignóbil». Predomina uma visão de estrangeirado, de quem só valoriza as «civilizações superiores» – da França e Inglaterra, principalmente.

Os políticos são mesquinhos, ignorantes ou corruptos (Gouvarinho, Sousa Neto…); os homens das Letras são boémios e dissolutos, retrógradas ou distantes da realidade concreta (Alencar, Ega…: lembre-se o que se passou no Sarau do Teatro da Trindade); os jornalistas boémios e venais (Palma…); os homens do desporto não conseguem organizar uma corrida de cavalos, pois não há hipódromo à altura, nem cavalos, nem cavaleiros, as pessoas não vestem como o evento exigia, são feias.

Para cúmulo de tudo isto, os protagonistas acabam «vencidos da vida». Apesar de ser isto referido no fim do livro, pode-se ver que ainda há alguma esperança implícita, nas passagens em que Carlos da Maia e João da Ega dizem que o apetite humano é a causa de todos os seus problemas e que portanto nunca mais terão apetites, mas logo a seguir dizem que lhes está a apetecer um "prato de paio com ervilhas", ou quando dizem que a pressa não leva a nada e que a vida deve ser levada com calma mas começam a correr para apanhar o americano (eléctrico).

Mais do que crítica de costumes, o romance mostra-nos um país – sobretudo Lisboa – que se dissolve, incapaz de se regenerar.

Quando o autor escreve mais tarde A Cidade e as Serras, expõe uma atitude muito mais construtiva: o protagonista regenera-se pela descoberta das raízes rurais ancestrais não atingidas pela degradação da civilização, num movimento inverso ao que predomina n’Os Maias.

[editar] O papel das mulheres na obra

Não só nos Maias mas também noutros livros de Eça de Queiroz, como o Primo Basílio e o Crime do Padre Amaro, as personagens femininas representam o pecado da luxúria, da perdição. Os historiadores tentam explicar este facto com base na rejeição materna que Eça sofreu.

Eça nasceu filho de uma relação não-marital. Embora os seus pais tivessem casado e tido mais filhos posteriormente, nunca o reconheceram como filho. Eça foi criado com a avó, depois com uma ama e, mais tarde num colégio. Os historiadores tentam estabelecer um paralelo entre o que a mãe de Eça representou para ele e a caracterização das mulheres na obra de Eça.

Em Os Maias, várias mulheres têm relações amorosas fora do casamento. A primeira é Maria Monforte, a Negreira, que foge com o napolitano Tancredo, levando consigo a filha e originando a intriga principal. Raquel Cohen não resiste aos encantos de Ega, e amantiza-se com ele, mesmo sendo casada. O mesmo acontece entre Carlos da Maia e condessa de Gouvarinho. Maria Eduarda não era casada, mas apresenta-se em Lisboa com o apelido do acompanhante, ao passo que toda a sociedade lisboeta pensasse que este fosse seu marido. Ainda assim (e, aos olhos de Carlos, casada) envolve-se num romance com Carlos, que os leva a cometer o incesto.

Todas são caracterizadas como seres fúteis e envoltas num ambiente de insatisfação [Maria Monforte (enquanto casada com Pedro da Maia), a Gouvarinho e Raquel Cohen] e mesmo de degradação (imagem que é dada de Maria Monforte no seu apartamento de Paris).

Ao passo que Maria Monforte e Maria Eduarda se inserem das tramas secundária e principal, respectivamente, as duas outras personagens são personagens-tipo, que caracterizam a sociedade e os costumes da época.

[editar] Personagens de Os Maias

Árvore genealógica da família Maia.
Árvore genealógica da família Maia.

[editar] Intriga principal

[editar] Intriga secundária

[editar] Personagens secundárias

  • Afonso da Maia
  • Maria Eduarda Runa
  • Tomás de Alencar Tomás de Alencar não está directamente envolvido na intriga secundária (entre Pedro da Maia e Maria Monforte), mas a sua influência naquela família é grande, visto que é o melhor amigo de Pedro. Na obra, a família é sempre descrita como uma família que sabe receber bem, e Alencar teve sempre "o seu talher na mesa dos Maias", o que faz com que seja quase considerado familiar.
  • João da Ega Ega equivale a Alencar, mas, desta feita, envolvido na intriga principal (entre Carlos e Maria Eduarda), gozando de semelhantes regalias em casa dos Maias, assim como da amabilidade de Afonso.

[editar] Personagens-tipo

[editar] Outros

Director do jornal “Corneta do Diabo”, o jornalismo corrupto. Surge sarcasticamente focado por Carlos e Ega e, em Sintra, faz-se acompanhar de Eusebiozinho e duas espanholas.

[editar] Lugares de Os Maias

[editar] Bibliografia académica sobre Os Maias

  • Resumo d'Os Maias
  • http://lithis.net/p.php?id=36 Resumo d´"Os Maias" e breve análise.
  • Alfredo Campos Matos,"Dicionário de Eça de Queiroz", Caminho, 1988 dep. legal 24464/88.
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Description

Árvore genealógica da família Maia de Os Maias de Eça de Queiroz.

Source

self-made

Date

13 de Abril de 2008

Author

Tiago Vasconcelos

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